Ar da
fazenda lembra a saudade do abraço de um grande e lanudo pastor alemão preto e
marrom. No campo reina o rústico, o tempo em que as coisas recém concebidas
ainda não estavam (como o fio de lã) penteadas pelos hábitos do homem de
esconder o disforme e o irregular. Desenhando e regulando linhas retas por
todos os cantos; amaciando as rugores, enchendo os buracos com terra tirada das
pequenas bossas. Ansiando pelo regular, ajoelhado ao deus que clama pelas
rotinas das pequenas coisas. Orando os eufemismos como cobertores multicoloridos
no lugar da língua franca, primitiva e sólida. Temendo o silêncio que é a teima
deste tempo anterior.
O som de
um sino batendo é o chamado do próprio vento e de ninguém mais, não há o ritmo
do pulso, há uma vacuidade que se manifesta sem finalidade. A indústria, a
certeza, está distante.
Vivemos em
meio às cascas, colinas, degraus, cabras, madeiras, seriemas. Terra batida,
grama, capim-gordura e pedra mineira todas próximas, rejuntadas ou amontoadas.
Só
gigantes calçando sete-léguas conseguem caminhar sem tropeços. Troncos de
madeira amarrados nivelam desníveis inacessíveis. Formam rampas para alpinistas
da cidade plana. Surgem sorrisos envergonhados, toques de cotovelo, olhares medrosos
e a deficiência se alarga, atinge a todos os seres medianos com seus defeitos a
serem corrigidos.
São tempos ancestrais que voltam às origens de
tudo que nos cerca na cidade. O leite lembra vaca, não caixa. A amizade lembra
o diálogo, não o medo da diferença. Lembra a delicadeza do Buda ao se desdobrar
em dezenas para cada um usar os guarda-sóis oferecidos pelos trinta deuses. Mesmo
sabendo da ruína futura, o lugar é apenas gente, não afasta nada, tampouco
apressa pela violência ou falta de criatividade.
*P.
Modiano