quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Peixinhos dourados

Ao Ralph Kaldeich


O banheiro é branco e imaculado, o piso, a parede, as peças. A janela possui uma veneziana pintada da mesma cor, dividida em quatro grandes quadriculados vítreos. Por ali passa o sol, que bate direto em cima do lavatório, irradiando a luz em todo ambiente. Apoiado em um plinto de mármore sem mescla, uma coluna que culmina com o tampo, sobre o qual há uma cuba apoiada formando uma circunferência, dividida ao meio. Uma elegante torneira de aço forma uma curva por onde esguicha a água corrente. O recipiente onde se coloca o sabonete é de cristal, com uma válvula por onde escorre o líquido dourado. Por alguma ilusão, imaginei que ele fosse translúcido e apenas refletisse a cor da estrela; não. É dourado, suave e pastoso ao repousar na concha da mão. Leva-se uma mão de encontro à outra, espreme-se o líquido com ritmo e se forma a espuma prodigiosa que as envolverá, completamente, exceto por pequenas quantidades caídas inteiras, pisciformes. A pia está vedada e a água se eleva até mais da metade, forçando que a destape. Em seguida, a massa d’água adquire um movimento circular, no mesmo sentido dos ponteiros do relógio, e capta a minha atenção. Percebo alguns peixes dourados em volta do ralo, parecem fazer um esforço para ficar de fora; o buraco negro os puxa para dentro. Outros conseguem, mas por pouco tempo. Ao se grudar na louça, eles se desfazem, perdem a sua forma original, restando pequenos pedaços agarrados. Tiro totalmente a espuma das mãos e, com as pontas dos dedos, eu os ajudo a cumprir seu destino final.