segunda-feira, 8 de março de 2010

Mentaculus




Mulher recebe por engano 20 quilos de maconha pelo correio.

Atônita e com receio de ser acusada como cúmplice caso chamasse as autoridades, preferiu vender a mercadoria e consumir uma pequena parte. E com o resultado do seu trabalho transformado em dinheiro, foi à procura do remetente. Tencionou apresentar ao remetente distraído a prestação de contas, pagar pelo que consumiu e, quem sabe?, receber uma gratificação pelo gesto.
A venda não causou dissabores. A quantidade era muito pequena diante do número de pessoas que a procuraram. Filas se formaram, chamando a atenção de seus vizinhos, a quem explicou, em conversas banais, ter publicado um anúncio em um site de relacionamentos dizendo-se honesta, bonita, com idade de 25 a 37 anos, solteira, empregada, com salário anual de cinquenta mil dólares e inclinação sexual indefinida. Evitou colocar foto em virtude de sua timidez.
Todos os esforços na busca do remetente se mostraram inúteis. Ninguém o conhecia. Passou alguns dias naquela cidade, tentando obter pistas. Alugou um seriado, por indicação, chamado Weeds.
Pediu demissão do emprego, mudou de cidade e, utilizando os contados feitos por ocasião da venda do pacote original, tornou-se uma fornecedora habitual e discreta do produto.
Todos os dados pessoais foram omitidos a pedido da entrevistada. Ela também pediu para que deixássemos claro que ela nada recebeu para conceder a entrevista. Indagada se aconselha o consumo da erva, pediu a transcrição integral da resposta.
 “Não aconselho. A desordem psicológica, alimentar ou afetiva desaparece. O seu pensamento é um Gavião de Penacho, e tudo fica distante e sereno. Simurg. Compreende-se o Gato de Schröndiger. Você descobre que tudo é e não é. Sente o ruído finíssimo da chuva tocado pelo Kodo, e milhões de neutrinos atravessando seu corpo. Andar vestida ou despida não faz diferença. Oi, Teddy! O contato humano não é mais hostil. O vazio dá muito medo. Volto à infância. Quero mandar meu abraço para o Farid Attar.”
Homem perde controle de veículo enquanto fazia sexo e destrói casa.
O casal, morador do condomínio Pomar, saiu da cozinha e foi para a sala de estar conversando sobre o conteúdo do relatório final da pesquisa a ser enviado para cientistas britânicos. Um grupo de aproximadamente quinhentas pessoas concordou em avaliar o seu desempenho sexual mediante o uso de preservativos de tamanhos inadequados. O quanto isso atrapalha, ou não, a relação sexual. O marido é engenheiro e elaborou uma planilha com todas as tentativas efetuadas, a data, a hora, bem como o tamanho da camisinha utilizada e o resultado final, se o orgasmo foi atingido, pleno, parcial ou falhado. Se houve ou não irritação da genitália do marido, ou da mulher, ou de ambos. Capacidade de deslize, sensibilidade.
Nesse momento, ouviram um estrondo, como uma pancada e um rangido de coisas se partindo, e correram em sua direção. Encontraram a cozinha e a lavanderia inteiramente destruídas. Dentro, uma caminhonete Dodge soltava fumaça. Como se estivesse com raiva de estar ali. Abriram a porta. Encontraram um casal. Desmaiado. Dispostos a encontrar os ferimentos, interromperam a busca, boquiabertos.
Não desmaiaram com o acidente. Estavam parcialmente nus. Da cintura para baixo. Em posição de repouso, após o ato. Plácidos e satisfeitos. Despertaram às custas de água fria. Tomando conhecimento dos danos causados. Sem demonstrar inibição, os jovens, aparentando vinte e cinco anos, relataram sua aventura. Tinham acabado de assistir ao filme Crash. Gostaram muito, principalmente das cenas de sexo dentro dos automóveis e das perseguições e acidentes. Queriam saber se o prazer seria, de fato, maior do que o normal. Escolheram correr pelas ruas do seu condomínio, por questões de segurança. Declararam não imaginar que o prazer fosse tão grande ao ponto de fazê-los desmaiar. Não sabiam informar se a ingestão de álcool contribuiu para o efeito. Informaram que os pais se responsabilizariam pelos prejuízos: cinquenta mil dólares. O rapaz foi preso, acusado de dirigir alcoolizado.
Diante do estado em que ficou a residência o casal se transferiu para um hotel próximo. Lá, o marido tentava terminar o relatório. E chegou à conclusão: o tamanho é fundamental. Os fabricantes deveriam alterar a classificação do produto: de pequeno, médio, grande, super. Para: grande, super e gigante. Perguntou a opinião da esposa: “Timing é tudo”.
Raposa no galinheiro.
Veio de Basildon, Essex, a notícia de um galo chamado Dude. Ele se livrou de uma raposa quando de sua última e sorrateira visita ao galinheiro. Ela, por sua vez, era reincidente, invadiu o galinheiro no último Natal, chupando todos os ovos e matando uma galinha. A proprietária, Miss Marple, 43 anos, logo se esqueceu do incidente; mas o galo, não. Hoje ao retirar os ovos para o café-da-manhã, percebeu a confusão. O poleiro, em forma de tábua, caído no chão, e sob ele o corpo inerte e frio da raposa, coberta de sangue, da cabeça às patas. O local não foi invadido, não há nenhum vestígio  estranho, tudo em paz, exceto as marcas das diversas bicadas na cabeça do animal. E concluiu: “Foi o meu carijó, de quem já levei várias corridas, com a ajuda das meninas, o autor do crime”. 
O fato, divulgado no jornal do Metrô de Londres, foi lido por uma diplomata brasileira, na cidade em visita de negócios. Ela tinha acabado de participar, vestida de baiana, do debate no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Preocupada, cuidou de fazer contato com a editoria do jornal para conseguir alguns números extras da edição. Queria enviá-los aos eus superiores. E também para o marido, torcedor do Cruzeiro.
Vocês viram La Fontaine?
A revisão das fábulas parece não ter fim.  Notícias dando conta do contrato de milhões, assinado pela cigarra para as próximas temporadas na Broadway, turbaram o ambiente no formigueiro. As formigas devotadas ao trabalho, principalmente as operárias, confessam a tremenda humilhação diante das outras pela ordinária preocupação com o inverno, com os grãos e a economia para os tempos de escassez. Apesar das acusações de exagero contra a imprensa, a cigarra nunca mais apareceu para pedir abrigo. As conhecidas amigas do trabalho estão reticentes no trabalho duro, pensando em fazer um curso de canto, dança ou mágica.
Enquanto isso, na cidade de Dongguam, Província de Cantão, Xiang Jun, 26 anos, está desempregado e seus esforços para encontrar trabalho resultam em nada.  Gastou suas últimas moedas fabulando uma solução. Após beber uma boa quantidade de aguardente de arroz, subiu em uma torre de fios de alta tensão e ali dançou como equilibrista. As autoridades se apressaram a desligar a energia, e durante quatro horas tentaram convencê-lo a descer de lá. Conseguiram depois de prometer conseguir trabalho em um formigueiro local. Satisfeito, ele deixou o corpo cair sobre um colchão cheio de ar.  A imprensa local (Guandong Daily) não noticiou o fato.




13 comentários:

  1. Sinto-me criança entrando no banheiro para ler escondido aquelas que eram as mais emocionantes e vibrantes, sinto-me como se estivesse abrindo um pacote de figurinhas na qual poderia estar aquela carimbada e a última para completar o album ou de frente para o gol com o goleiro já batido em final de campeanato, exagero??? não não acho que seja não! é emocinante ler suas sempre sensacionais pequenas estorias, é como ver as sinteses de filmes de Frederico Feline, uma jóia de arte que nos emociona e faz viajar.
    Continue por favor a assim nos brindar com seus textos maravilhosos.
    Grande abraço

    ResponderExcluir
  2. Olá Djabal, depois do indiscutível comentário do Eduardo, só me resta dizer que adorei a "resenha".
    "Qualquer relação com a ficção é a pura realidade".[rs] Não dá nem para acreditar que tudo isso existe e nem que um escritor possa cometer essa proeza de "sugerir" ficção a cada linha percorrida.Genial!
    Que venham outras!!!
    Um beijo e bom dia!!!

    ResponderExcluir
  3. Porra, você acha umas notícia engrassadas pra cacete, não? Fiquei com dó da raposa. rsrsrsrsrs

    ResponderExcluir
  4. (...) E esse escritor consegue estabelecer uma conexão tão coerrente entre realidades, fatos e o imaginário que SEUS TEXTOS conseguem ter caráter de notícias.
    Atrevo-me a sugerir que o conjunto dos textos escritos ganhem formato de jornal.
    Parabéns pela produção.
    Bjs

    ResponderExcluir
  5. Empreendedorismo, defesa,pesquisa e afirmação. A vida como ela é, pela ótica de uma mente brilhante.
    Luiz Ramos

    ResponderExcluir
  6. As suas histórias são surpresas brilhantes. Começa-se sem sabermos bem o que se vai ler, entratanto, o sorriso já começou a esboçar-se e quando se termina, ele já está de orelha a orelha... Magnifico!! É para continuar, claro!
    Bejo
    Graça

    ResponderExcluir
  7. O círculo que expande a arte aqui não é uma malograda excursão. A atmosfera é singular, uma carícia sobre o pensamento, o prazer de encontrar-se um todo nos teus textos. Maravilhoso!
    Beijos

    ResponderExcluir
  8. O destaque dado e as opções da forma de o dar às «notícias» e aos «acontecimentos» adquirem enquadramentos e contextualizações fora do tempo, conquanto o sejam num determinado momento e espaço referenciado.
    Excelente.
    Abraço

    ResponderExcluir
  9. Eu acho que ninguém faz esta experimental literatura na rede. Gosto muito mesmo. Viajei na Raposa e na maconha.
    Beijã, Erwin, querido.

    ResponderExcluir
  10. Djabal,

    Um delícia ler as notícias dessa forma! Nada se perde e tudo se transforma em literatura de primeira!

    Parabéns.

    Beijos

    ResponderExcluir
  11. "... Queria enviá-los aos EUS superiores" ou aos SEUS superiores? Interessante, se foi um lapso.
    Você sempre surpreende!

    ResponderExcluir
  12. Bom dia amigo Djabal,
    É sempre surpreendente vir aqui. Já lhe disse: amo ler seus contos e suas crônicas.
    As formigas têm razão: é bem mais fácil cantar e dançar...
    Veja,o TopBlog deste ano está com uma ótima proposta. Posso indicar seu blog para a categoria "Cultura" ou, se houver este ano, "Literatura"? Veja em "Via Natureza 36: Sustentabilidade é Destaque no Top Blog 2010". Participe!
    Um grande abraço,
    Luísa

    ResponderExcluir
  13. Perfeito, inefável. Muito bom mesmo. Voltarei a ler quando estiver levemente embriagado com um bom conhaque. HAHAHA.

    ResponderExcluir